Somente as APIs não serão suficientes para promover a transformação nos bancos

  • Por Otavio Farah.

O conceito de open banking e a notícia de que os bancos estão no caminho de abrir suas APIs para o mercado não são novidades para as pessoas interessadas no mercado financeiro. Mas como se trata de algo muito novo, ainda restam dúvidas de quem usa os serviços bancários no dia a dia. Diante deste cenário é comum ouvir perguntas como: O que, de fato, vai mudar na vida das companhias? Que vantagens essa mudança pode trazer? A burocracia e a morosidade vão acabar? Os custos vão baixar?

Diante de tantas interrogações, é fundamental fazer uma imersão no tema e projetar o verdadeiro potencial desta novidade.  Uma API (Application Program Interface, ou aplicação de interface de programas) é uma série de rotinas, protocolos e ferramentas de programação que definem como diferentes sistemas devem interagir entre si. APIs são difundidas em aplicações dos mais variados tipos e não estão restritas a plataformas financeiras.

Um exemplo corriqueiro são as APIs dos smartphones. Quando um app precisa acessar a câmera de um celular, por exemplo, ele se conecta à API da câmera no aparelho. A partir daí o app não precisa se preocupar com mais nada. A tecnologia embarcada no próprio celular se encarregará de colocar a foto dentro do app.

Ou seja, as APIs são a forma mais moderna e escalável de integração de sistemas (como no caso do app com a câmera do celular, ou então do banco com outra empresa, por exemplo). Elas trazem velocidade, agilidade e segurança a essas interações.

Podemos dizer que a API é um tipo de integração 3.0. Simplifica processos, possui uma estrutura muito mais simples, segura, escalável e efetiva em termos de custo do que o arquivo ‘txt’ ou o webservice. A interação entre os sistemas não é uma novidade para o mercado. O que muda é forma como ela se dá.

A API é, portanto, uma porta de entrada e saída de informações entre sistemas. Nada além disso. Há melhora em agilidade e segurança nas integrações. Mas os benefícios param por aí. A partir do momento em que a informação está integrada ao sistema de destino, ela cai nos mesmos processos e métodos já utilizados anteriormente. Todos os pontos positivos e negativos de um sistema legado continuam inalterados. Nenhuma solução é criada, a não ser que o sistema herdado seja modificado também.

Desta forma, embora a abertura de APIs para o mercado naturalmente agilize a interface das empresas com os bancos, por outro lado, toda a tratativa dos bancos com seus clientes permanece inalterada. Ou seja, mesmo com as APIs, os problemas seguem os mesmos: burocracia, lentidão, retrabalho, altos custos e perdas de informação.

Para solucionar essas questões todas é necessário tempo e investimento. O ponto é que tais providências são independentes entre si. Uma não depende da outra, e a estrutura do sistema interno já poderia ter sido revista. Só os grandes bancos sabem porque não foram ainda, mas uma coisa é certa: o legado de sistemas é um fator complicador muito grande. Outro entrave é o grande volume de operações que já rodam nesses sistemas antigos. A decisão de modificar esta estrutura exige grandes investimentos financeiros. Pior: ela está sujeita a erros e problemas de implementação. Isso, numa máquina enorme e que opera em capacidade máxima, sem margens para falhas.

Este cenário leva os grandes bancos a viverem o seguinte dilema: ou enfrentam o problema e gerenciam a transição ou mantém os sistemas da forma como estão e adiam a modernização ao máximo. Dinheiro não falta, know-how também não. Porém, essa grande transformação não virá simplesmente com a abertura das APIs para o mercado.

Mas nem tudo está perdido. O mercado financeiro no Brasil (e no mundo) é um dos mais atrativos do ponto de vista de geração de valor. Uma massa enorme de empresas e pessoas enxerga grandes oportunidades em solucionar as dificuldades do dia a dia dos bancos. Essa é uma das principais revoluções que as fintechs estão trazendo para o mercado.

Imaginemos uma reforma na Estação Sé, do metrô de São Paulo, com toda a demanda e superlotação que existe. O tomador de decisão certamente precisará avaliar os impactos nos usuários e o stress que isso causará. Todo um plano de contingência para administrar a obra com a estação aberta precisará ser posto em prática.

Agora vamos pensar em uma nova Estação Sé, conhecendo as necessidades dos usuários de hoje, mas sem ter que se preocupar com eles enquanto cria sua “estação 2.0”. No contexto da construção civil isso é inviável, mas na área de sistemas, não.

Hoje em dia, estão criadas as condições para o advento de uma nova era na tecnologia bancária. Se para os dinossauros as eras duraram milhões de anos, para os sistemas bancários são poucas décadas. Estamos entrando em uma nova era.

Claro que os bancos não desaparecerão. A capacidade e o poder dos bancos não devem ser subestimados. Certamente eles encontrarão o caminho para migrar para a nova era da tecnologia e conseguirão enfrentar todos esses desafios de mudança necessários.

O que podemos esperar é que a mudança não necessariamente partirá deles. Virá provavelmente de novos entrantes, em plataformas altamente escaláveis, eficientes e ambiciosas. Elas começarão a transformação por meio da abertura das APIs. Mas precisarão muito mais do que isto para chegar ao final desta viagem.