Quando eu era pequeno existia uma rotina toda semana em casa, meu pai trazia para casa um cheque – toda noite de quinta-feira – e deixaria sobre a mesa. No dia seguinte, minha mãe ia até uma agência bancária, depositava o cheque, resgatava o dinheiro e voltava com alguns cruzeiros, colocando assim o dinheiro sobre a mesa. Para o meu pai, a mesa de casa foi o primeiro “caixa eletrônico automático”.
Com os avanços da tecnologia, a relação que os clientes possuem com o seu banco e com as suas finanças mudou. Os clientes confiam cada vez menos em andar até uma agência bancária, e em vez disso preferem opções digitais para ajudá-los. Chat online, telefones móveis e internet banking até agora têm sido vistos mais como complemento à experiência bancária, mas devemos passar por um rompimento digital a ponto de termos uma mudança de verdade nos bancos.
Enquanto as Fintechs foram atrás de uma participação do mercado, a natureza da operação bancária – altamente regulamentada e com alto capital – tem silenciado o seu impacto. As pesquisas indicam que as Fintechs apontam para uma mudança de direção na indústria bancária.
As estratégias tradicionais dos bancos para atrair e reter os clientes não estão mostrando ser fortes o suficiente contra a concorrência fintech. Tivemos uma melhora nos índices de Experiência do cliente em 2016, mas isso não se traduziu em medidas de retenção de clientes. Segundo Thiago Vigilar, líder Product Owner na Agile Bank
“A infraestrutura bancária, extremamente burocrática e complicada, facilita o surgimento da fintechs, que por sua vez, com estruturas menores e muito mais ágeis, conseguem focar no problema do cliente e resolvê-lo. A presença digital também facilita esse avanço, pois as fintechs estão onde o cliente precisa e quando ele precisa. “
Uma constatação surpreendente foi de que apenas 15,9% dos clientes disseram que vão comprar produtos adicionais do seu banco. Claramente, a criatividade e soluções que as fintechs estão trazendo para o desenvolvimento de produtos estão começando a ter um impacto. A expectativa do cliente também está aumentando pela experiência que está recebendo com as novas tecnologias. Os clientes estão esperando muito mais no caminho da inovação, mas não está recebendo isso de seus bancos.
Segundo estudo da Capgemini, apesar do aumento global da Índice de Experiência do Cliente (CEI), o comportamento de cliente rentável melhorou apenas marginalmente.
- Apenas 55,1% dos clientes disseram que estão propensos a permanecer com o seu banco para os próximos seis meses;
- Apenas 38,4% dos entrevistados, disse que iria indicar o seu banco a um amigo ou membro da família;
- Apenas 15,9% dos clientes disseram que estão propensos a comprar outro produto do seu banco, apontando para a necessidade de um desenvolvimento mais inovador produto.
Fintechs estão mudando o mundo das finanças. Os bancos possuem clientes em escala, mas as fintechs geralmente têm a vantagem da inovação, especialmente na experiência do cliente. Para se manterem competitivos, os bancos precisam garantir a inovação antes das fintechs conseguirem escalar. A China aparentemente já está avançada neste sentido (escala e inovação) e a Índia aparenta ser a segunda maior mudança, o segundo país mais populoso do mundo, representando mais de 1,2 bilhões de pessoas, com seu baixo número de contas bancárias e sua alta penetração digital.
Um estudo da Boston Consulting Group (BCG) revelou que a indústria de pagamento digital da índia irá crescer a $500 bilhões de dólares em 2020, uma mudança que contribuirá para 15% do PIB do país.
Investimentos em tecnologias financeiras aumentaram 10x nos últimos 5 anos no mundo. De US1.8 bilhões/2010 para US19 bilhões/2015. 70% desse investimento foca em melhorar a experiência do usuário em suas movimentações bancárias.
As estratégias tradicionais dos bancos para atrair e reter os clientes não estão mostrando ser forte o suficiente contra a concorrência fintech. Tivemos uma melhora nos índices de Experiência do cliente em 2016, mas isso não se traduziu em medidas de retenção de clientes.
O comportamento do consumidor está mudando. Smartphones revolucionaram a forma como interagimos com o mundo, só no Brasil, o número de usuários que utilizam smartphones superou a marca de 76 milhões no terceiro trimestre de 2015. A maioria das pessoas prefere a agilidade e a comodidade dos aplicativos disponíveis para esses dispositivos. Inclusas neste crescente número, temos a chamada Geração Z. Pessoas que nasceram e cresceram junto com a World Wide Web (1990) e a explosão de popularidade dos dispositivos tecnológicos até o fim de 2010.
Essa exigente e altamente digital massa de clientes já não se satisfaz apenas com o modelo tradicional oferecido pelas instituições financeiras, e por isso as pessoas estão mais dispostas a experimentar novos produtos e serviços bancários, mesmo que de empresas que ainda não contam com um sólido reconhecimento de marca como os bancos tradicionais. É essa a geração de nativos digitais que fará a diferença e definirá quais empresas ainda existirão num futuro que já começou.
Bancos enfrentam um momento Uber, a empresa de tecnologia criou uma nova experiência do usuário. Ele controla todos os seus históricos de transações, despesas, classificações dos motoristas e assim por diante. O que isso ensina para os bancos é em primeiro lugar o foco em dispositivos móveis como principal canal de interação entre cliente/empresa. O termo uberização está gasto, mas a forma como o Uber reinventa o transporte tem a ver com o potencial das fintechs para mudar os serviços financeiros.
A importância cada vez menor de agências físicas, o crescimento explosivo da internet móvel e o aumento da concorrência de startups fintechs estão colocando enorme pressão sobre os bancos, pois a tecnologia está tornando as velhas formas de fazer negócio obsoletas. Para sobreviver, os bancos serão obrigados a abraçar muitas das inovações introduzidas pelas fintechs.
O grande problema do banco é que na hora de lançar, o produto já está ultrapassado. Antes de o aplicativo de gestão financeira GuiaBolso ser lançado no Brasil, por exemplo, praticamente todos os bancos tinham um projeto parecido. Ou seja, já se pensava dentro dessas instituições em como desenvolver um app que ajudasse o usuário a controlar seus gastos. Mas alguém consegue imaginar isso na lista de prioridades de um banco?
Um consenso entre as instituições financeiras é que a parceria, no fim das contas, pode ser o melhor caminho.
Até pouco tempo, com a disseminação da Internet, a única alternativa que realmente havia prosperado era o Paypal, hoje já temos diversos players. Antony Jenkins, ex-presidente executivo do Barclays aponta mudanças radicais (e inevitáveis) acontecendo para os próximos anos
“o número de agências e de empregados pode cair até 50% nos próximos anos”.
O maior desafio é a inclusão financeira da população de menor renda. Aqui no Brasil, embora a população com contas em banco atinja 68%, ainda estamos distantes de um cenário onde a oferta de serviços financeiros seja adequada à realidade das pessoas de menor renda, das micro e pequenas empresas e da geração millennials. No cenário brasileiro a concentração bancária é muito alta, com os quatro maiores bancos concentrando 80% das operações de crédito.
Na última década as tecnologias digitais têm transformado indústrias. O uso delas vem melhorando não só a produtividade como a qualidade. Tudo isso vem ganhando espaço pelo alcance universal da internet ao longo dos últimos 20 anos. A transformação chega quando a tecnologia muda radicalmente a experiência do usuário, assim como aconteceu com a evolução dos smartphones.
Tudo parece estar mudando de uma só vez. Em menos de duas décadas, por exemplo, a indústria da música já perdeu mais de metade das suas receitas e vem tendo queda na receita de publicidade em jornais. O varejo também vem passando por grandes mudanças com a ascensão do e-commerce, assim como o setor de telecomunicações, com a transição de telefones móveis e de dados sem fio.
Forças semelhantes começam a aparecer e afetar os serviços financeiros. Estamos começando a ver investimento significativo e também o surgimento de novos modelos de negócio.
Mesmo as fintechs com estruturas enxutas (o que reduz os custos dos serviços), conseguem através de poderosa tecnologia oferecer enorme eficiência na experiência do usuário. Já os bancos são muito conservadores na adoção de novos modelos de negócio. Aliás, sempre foram resistentes a rupturas.
“Há espaço para ambos. Os bancos vão se adaptar. Alguns estão fazendo isso mais rápido, outros serão mais lentos e alguns vão morrer, mas os bancos do futuro serão muito diferentes do que conhecemos hoje. Além disso, muitas empresas fintechs estão ignorando o player mais importante no mercado: o regulador. Você vai ver muitas empresas fintechs fechadas ou extremamente limitadas pelos reguladores”, disse o fundador da AstroPay, Sergio Fogel.
A concorrência está cada vez mais agressiva com as fintechs, e os bancos sabem que precisam fazer mais do que apenas melhorar a experiência do cliente. O melhor caminho seria estabelecer parcerias com empresas fintechs. A parceria não só capacitaria os bancos no desenvolvimento de produtos, mas daria um novo caminho na definição do futuro sobre o ecossistema do banco digital. Em contrapartida, as fintechs parceiras ganhariam o apoio de nomes de peso do mercado financeiro. A verdade é que os bancos precisam pensar grande – em termos de estabelecer uma interface para apoiar as suas ambições.
Como já dizia Bill Gates em 1994,
“o mundo necessita de serviços bancários, mas não necessariamente de bancos.”
Será que é a revolução digital finalmente está atingindo o setor bancário? Bancos terão mesmo que abraçar inovações fintechs? Concorrência, parcerias ou alguma combinação de ambos? Há muitos fatores em jogo, que é extremamente difícil prever, mas um ponto é certo, as fintechs finalmente estão forçando os bancos a uma mudança de direção.
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Gostaria de agradecer as diversas pessoas que participaram e contribuíram para a construção e credibilidade deste texto: Rodrigo Dantas, Luis Veloso, Ivana Castro, Marcela Michelini, Thiago Vigliar (Agile Bank), Sergio Fogel (AstroPay), Caroline Gobbi (Banco Original) e as outras diversas pessoas que quiseram participar do texto mas o tempo não deixou.
Autor convidado: Leandro de Andrade é responsável pelo Marketing da Vindi. Em 2015 coordenou equipe de comunicação que conquistou 1000 clientes/empresas no modelo de assinaturas.