Os funcionários do Banco Central (BC) têm feito paralisações sucessivas há dois anos, organizadas pelo Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal). Na prática, têm ocorrido paralisações das atividades em períodos de 24 e 48 horas a cada dois ou três meses como objetivo de demonstrar a insatisfação da categoria com relação às negociações com o governo.
Neste cenário, uma das preocupações de especialistas do setor financeiro é com relação ao atraso no processo de autorização de novas instituições que já estão prontas para iniciar suas atividades e aguardam somente o retorno do BC para suas solicitações.
“As fintechs, como as Sociedades de Crédito Direto (SCDs), e instituições de pagamento (IP), têm o papel de descentralização de serviços financeiros, apoiam nichos específicos da economia, e modelos de negócios inovadores, pensados muitas vezes de forma personalizada. A demora na formalização junto ao BC pode causar impactos relevantes aos públicos que elas já poderiam estar atendendo”, afirma Felipe Santiago, CEO da CashWay, techfin catarinense que oferece soluções focadas em atender demandas de Instituições Financeiras e de Pagamento, como cooperativas de crédito, SCDs, SCMs, IPs e demais fintechs.
De acordo com um estudo encomendado pela Zetta (associação de empresas de tecnologia que oferecem serviços financeiros digitais), R$ 7,9 bilhões foram economizados pelos brasileiros em tarifas bancárias somente no último trimestre de 2022 – resultado da concorrência estimulada pela entrada das fintechs no sistema bancário há pouco mais de dez anos no Brasil. Na época, o país contava com 55 milhões de desbancarizados. Esse número caiu para 4,6 milhões em 2022, segundo o Instituto Locomotiva.
Tempo de espera é um dos maiores entraves
O tempo de espera pela autorização é uma das maiores dificuldades para novas instituições financeiras ou de pagamento, segundo o CEO da CashWay, que oferece um portfólio de soluções para operação destas instituições. “A demora afeta diretamente os projetos e impossibilita o avanço no regulatório das Instituições Financeiras, enquanto o pedido continua parado”, diz.
Por isso a importância de entregar a solicitação já de acordo com as normas do Banco Central. A ajuda na adequação dos documentos permite que a instituição financeira tenha mais assertividade no pedido de autorização. Além disso, contar com a agilidade na implementação do core bancário é outro ponto que torna o processo menos oneroso, de forma a evitar o impacto no andamento dos planos da empresa.
“O processo dessas fintechs é mais simples do que o das instituições financeiras em geral, porque há uma etapa única de autorização, sem necessidade de autorização prévia para constituição. Ainda assim, fintechs são empresas que têm sensibilidade de tempo para efetivar seu planejamento, enquanto lidam com expectativas de investidores e mudanças constantes no próprio mercado em que escolheram atuar”, afirma Felipe.
Projetos do BC na agenda para 2024
“Projetos digitais no sistema financeiro nacional dependem do desenvolvimento de tecnologias de alta complexidade. As constantes paralisações dos funcionários devem impactar também o lançamento desses produtos”, afirma Felipe, sobre planos do próprio Banco Central para este ano.
O empresário fala sobre o provável atraso do Drex: o Real Digital. “O usuário final não vê o que envolve o desenvolvimento do Drex, mas ele não é somente uma moeda digital. Para ser lançado, ele depende da criação de uma plataforma blockchain que vai abranger todo o sistema financeiro”, explica.
“O novo sistema vai revolucionar a forma como o brasileiro lida com processos ainda muito burocráticos, como em cartórios, compra e venda de imóveis, e até no Detran. Essa é uma inovação muito importante para a transformação digital do país”, elabora Felipe, sobre a relevância do lançamento do Drex, cujo atraso já estava previsto por procedimentos legais (conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados e a confidencialidade bancária).
Segundo ele, esse não é o único projeto que estava programado para este ano pelo BC mas que não deve ser concretizado. O aprimoramento do Pix (lançamento do Pix Automático e criação de canais de denúncia sobre fraudes com o meio de pagamento), a agenda de cibersegurança e a regulação de criptomoedas também podem atrasar.
Reivindicações dos funcionários
A alta complexidade no desenvolvimento desses sistemas é parte do argumento dos servidores para a manutenção das greves. Segundo a presidente da ANBCB (Associação Nacional dos Analistas do Banco Central do Brasil), Natacha Rocha, há uma percepção distorcida da população brasileira com relação à remuneração dos funcionários do BC e as reivindicações dos trabalhadores buscam isonomia entre as carreiras de Estado, além da criação de um bônus de produtividade e medidas de reestruturação de carreira, como a exigência de ensino superior para o cargo de técnico (o que altera a qualificação necessária para ingresso na carreira) e alteração de nomenclatura do cargo de analista para auditor.