(*) Por Flávio Scarpelli
O mercado financeiro está passando por uma transformação silenciosa, mas profunda. A tokenização de ativos, antes vista como uma promessa distante, está se tornando uma realidade tangível que redesenha a infraestrutura do sistema financeiro global. Um recente relatório da Ripple com o Boston Consulting Group (BCG) projeta que o mercado de tokenização de ativos reais crescerá de US$ 600 bilhões em 2025 para impressionantes US$ 18,9 trilhões até 2033 – um crescimento anual de 53%.
Para entender onde estamos e para onde vamos, o estudo identifica três fases distintas desta evolução. A primeira fase, denominada “Low-risk adoption” (adoção de baixo risco), é onde as instituições financeiras focam em instrumentos familiares e já regulados, como fundos de renda fixa de curto prazo e títulos de dívida corporativa. É uma fase de aprendizado, onde o objetivo principal é construir a infraestrutura básica para custódia, emissão e liquidação.
O Brasil já superou essa etapa inicial, com cases bem-sucedidos e um marco regulatório estabelecido pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) por meio da Resolução 175. Os números comprovam uma potencial eficiência desse movimento: reduções de 40% a 60% em custos operacionais para títulos de dívida corporativa tokenizados e, no mercado imobiliário, o potencial é de US$ 500 milhões em novos fluxos de capital para fundos de US$ 5 bilhões.
Atualmente, o nosso país começa a trilhar para a segunda fase, identificada como “institutional expansion” (expansão institucional). Neste estágio, observamos os primeiros movimentos para a tokenização de ativos mais complexos e de maior rendimento, como crédito privado e finanças estruturadas. É um momento crucial, onde a demanda por liquidez e interoperabilidade se intensifica. O mais importante, para avançarmos nessa fase, são os ajustes regulatórios necessários para que as finanças estruturadas se beneficiem efetivamente das vantagens que a tecnologia por trás da tokenização pode proporcionar, como ter a segurança formal e jurídica para um mercado efetivamente desintermediado e não uma nova regulamentação que somente altere o nome dos atuais participantes.
A terceira fase, chamada de “market transformation” (transformação do mercado), ainda está no horizonte. De acordo com o relatório, esse momento será caracterizado pela tokenização de ativos tradicionalmente ilíquidos, como FIPs (Fundos de Investimento em Participações), fundos multimercado e infraestrutura. Essa fase exigirá um mercado secundário robusto e a aceitação generalizada de tokens como colateral em operações financeiras principais.
O que torna a tokenização tão significativa globalmente é que não estamos apenas testemunhando uma evolução tecnológica, mas uma verdadeira reimaginação do sistema financeiro. Como aponta o relatório da Ripple com o BCG, a tokenização não é uma simples camada digital sobreposta ao sistema existente, mas uma reconstrução fundamental da infraestrutura financeira que promete tornar os mercados mais acessíveis, eficientes e dinâmicos.
O Brasil se destaca como líder regional na América Latina e tem potencial para ser protagonista nesta transformação. Contamos com uma regulação que aponta um caminho progressista, infraestrutura tecnológica robusta e um mercado ávido por inovação. No entanto, para que esse potencial se concretize, precisamos ir além dos paradigmas atuais e perder o receio que nos levaram a montar uma estrutura complexa e emaranhada de participantes obrigatórios para trazer alguma segurança. Devemos sim buscar a efetiva inovação que a tecnologia pode proporcionar para manter as mesmas seguranças.
Para as instituições financeiras, o momento de agir é agora. Aqueles que se moverem primeiro não apenas participarão da próxima onda do mercado financeiro, mas ajudarão a definir sua arquitetura. A tokenização não é mais um experimento ou uma tendência passageira – é o próximo capítulo na evolução dos mercados financeiros. E o Brasil tem todas as condições para ser um dos protagonistas desta história, desde que estejamos dispostos a reimaginar verdadeiramente o futuro do mercado financeiro.
(*) Flávio Scarpelli é CEO da Vórtx QR Tokenizadora