(*) Por Paulo Roberto Vigna
A Reforma Tributária representa um esforço legislativo de grande envergadura, destinado a abordar e apresentar soluções a questões que a muitos anos comprometem a eficiência da arrecadação tributária e o interesse público. Tem como foco, também, mitigar a insegurança e a percepção de injustiça fiscal que afetam sobremaneira os negócios e os contribuintes. Este conjunto de medidas legislativas busca, portanto, promover um ambiente de maior equidade fiscal, transparência e eficiência na gestão dos recursos arrecadados.
Entre as inovações propostas pela reforma tributária, destaca-se o mecanismo conhecido como Split Payment, o qual introduz uma sistemática inovadora no ordenamento jurídico nacional. Tal novidade possibilita que no ato de pagamento pela aquisição de um bem ou serviço, o montante correspondente ao tributo seja diretamente alocado para a quitação da obrigação tributária, sem ser repassado ao fornecedor do bem ou serviço.
O mecanismo de Split Payment é amplamente adotado nos Estados Unidos, cabendo comentar sua eficácia no contexto da tributação sobre o consumo, caracterizado pela ausência do modelo de não cumulatividade, intrínseco ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) que o Brasil pretende adotar. Neste sistema, o imposto é imputado exclusivamente no ponto de venda final ao consumidor final, o contribuinte, sob a denominação plus tax. Esta particularidade assegura que o Split Payment se alinhe harmoniosamente com a estrutura tributária, evitando complicações associadas à lógica de débitos e créditos típica do IVA, uma vez que a necessidade de calcular a não cumulatividade é inexistente.
Por outro lado, em um regime tributário onde o cálculo do imposto seria efetuado mediante a dedução de créditos fiscais dos débitos acumulados pelo contribuinte, o Split Payment assumia uma dinâmica distinta. Neste contexto, o mecanismo implicaria uma antecipação do pagamento do imposto por parte do contribuinte. Inicialmente, ocorreria o pagamento antecipado do montante total do tributo, o qual, subsequentemente, seria objeto de um ajuste para acomodar os créditos fiscais provenientes de aquisições efetuadas pelo contribuinte. Estes créditos precisariam ser compensados, o que introduziria uma complexidade adicional no processo de apuração e restituição dos valores devidos.
A implementação do Split Payment no contexto do IVA-Dual, conforme pretendido pela Reforma Tributária, requer uma análise cuidadosa de suas implicações fiscais e administrativas, dada a sua capacidade de influenciar o fluxo de caixa dos contribuintes e a eficiência do sistema de recolhimento de impostos.
A antecipação do tributo, seguida pela necessidade de ajustes para incorporar os créditos fiscais, pode representar um desafio significativo, tanto para as autoridades fiscais quanto para os contribuintes, exigindo mecanismos eficientes de gestão e controle fiscal.
No sistema tributário brasileiro, os tributos sujeitos ao lançamento por homologação constituem a regra predominante, o confere ao contribuinte a prerrogativa e, simultaneamente, a obrigação de apurar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, calcular o montante do tributo devido e efetuar o respectivo pagamento. A legislação estabelece um prazo de cinco anos, contados fato gerador, para a Fazenda Pública verificar a exatidão do pagamento efetuado pelo contribuinte.
A prática usual, assim, é a antecipação do pagamento do tributo, mesmo diante de eventuais incertezas, cabendo ao contribuinte demonstrar posteriormente, que o montante antecipadamente recolhido foi indevido ou excessivo. Trata-se da doutrina do solve et repete, que obriga o contribuinte a “pagar e reclamar”. É implementada por técnicas tais como a retenção na fonte e a substituição tributária progressiva.
Na tributação no regime IVA, o Split Payment pode ser implementado de duas maneiras principais. Na técnica de segregação de pagamento, o comprador, contribuinte, faz dois pagamentos distintos: um ao fornecedor pelo preço do bem ou serviço e outro ao Fisco referente IVA. O fornecedor então utiliza esse crédito tributário para futura apuração e possível restituição, se for o caso. Esse modelo é viável para transações entre empresas (B2B), mas é complicado em transações diretas com consumidores finais, especialmente pessoas físicas (B2C).
Já no caso de pagamento unificado eletrônico, o comprador, contribuinte, faz um único pagamento, e uma instituição financeira distribui os valores entre o fornecedor e o Fisco. O preço é transferido ao fornecedor e o IVA ao Fisco. Essa abordagem pode ser aplicada tanto em transações B2B quanto B2C, incluindo pagamentos com cartão de crédito. No entanto, essa modalidade não se aplica a pagamentos em dinheiro ou fora do sistema bancário.
É importante, também, analisar os impactos que o Split Payment do IVA-Dual poderá causar no fluxo de caixa das empresas, e como isso reverberará na economia nacional.
As empresas, ao se depararem com restrições financeiras, tendem a adotar estratégias de gestão de caixa mais conservadoras, e uma dessas inclui a retenção da maior reserva de caixa possível, o que, por sua vez, pode influenciar diretamente a capacidade de investimento e expansão da empresa. Este comportamento é fundamentado na premissa de que, ao manter um nível de caixa mais elevado, as empresas podem se proteger contra os riscos associados ao refinanciamento, bem como prevenir problemas de subinvestimento que poderiam comprometer seu crescimento e estabilidade a longo prazo. Tais métodos seriam prejudicados no âmbito do Split Payment.
Portanto, a antecipação do IVA-Dual na técnica Split Payment não é uma questão a ser analisada isoladamente, mas sim dentro de um contexto mais amplo que considera as dinâmicas financeiras das empresas e seu impacto sobre a economia como um todo. A compreensão dessas dinâmicas é crucial para avaliar as possíveis consequências dessa medida, bem como para desenvolver estratégias que possam auxiliar as empresas a navegar por esse novo cenário fiscal de maneira eficaz, garantindo assim a sua sustentabilidade e contribuição para o crescimento econômico nacional.
(*) Paulo Roberto Vigna é advogado, sócio do escritório Vigna Advogados Associados e da VignaTax Consultoria Fiscal e Tributária.