Fábio Torelli*
Tradicionalmente as áreas de crédito e modelagem de riscos dos bancos se acostumaram a comprar a informação de ‘renda-presumida’ de três, quatro, cinco bureaus de crédito no país. Depois de todo esse investimento ainda é necessário ir fazendo testes infindáveis até achar o mínimo desvio entre os diferentes modelos para cada nicho específico de clientes. Essa imperfeição é confortável para os bureaus, que continuam vendendo essa informação para todos os grandes bancos.
Até hoje, a informação da ‘renda real’ do cliente era privilégio do banco recebedor do salário do cliente. Para ter acesso a este ‘tesouro’, os bancos, mais uma vez, são obrigados a comprar as folhas de pagamentos das empresas buscando a tão sonhada “principalidade” do cliente. Com o privilégio de poder ofertar um produto mais adequado, o banco recebedor amplia muito as chances de ganhar prioridade no concorrido bolso do cliente. É uma prática que persiste há anos, com ofertas milionárias para ser o detentor dos direitos da folha de pagamento das empresas.
O cadastro positivo surgiu em 2019 como uma promessa de modificar esse cenário, reduzindo os custos e ampliando a assertividade da informação. Mas infelizmente, ao completar cinco anos de operação, mesmo apresentando números significativos como os 167 milhões de registros únicos em sua base de dados, segundo informações da Associação Nacional dos Bureaus de Crédito (ANBC), o modelo se mostra muito tímido em resultados práticos tanto para o consumidor quanto para as instituições financeiras e demais concessores de crédito interessadas no assunto.
A realidade das ruas prova que praticamente não houve evolução real no acesso ao financiamento para os inadimplentes temporários. O mesmo ocorre em relação aos chamados ‘invisíveis’ para os sistemas tradicionais como os milhares de motoristas de Uber, iFood, 99, revendedoras Natura e Avon, entre outros profissionais
Um forte indício desta verdade é o Índice de Saúde Financeira do Brasileiro (I-SFB), publicado pela Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN). Em sua edição de 2023 o estudo apresentava a pontuação média do brasileiro na casa dos 56,2 pontos, o que colocaria o brasileiro “médio” no nível da “baixa saúde financeira”. De acordo com os critérios do estudo, essa é a categoria na qual surgem os primeiros sinais de desequilíbrio e o risco de entrar em estresse financeiro.
Outras iniciativas como o Open Finance, nem de longe, resolveram esse problema. Quando foi anunciado no Brasil, a expectativa era de uma revolução no sistema financeiro. Mas, até agora, o que vimos? Pouco, muito pouco. O modelo tem se mostrado ineficaz, lento, e, para a maioria dos consumidores, uma experiência frustrante. Apesar da promessa de democratizar o acesso aos dados e ampliar a oferta de crédito, ele foi mal implementado e se tornou um fardo burocrático. O ritmo de adoção é lento, e os bancos tradicionais parecem não ter pressa para adotar o modelo. A informação sobre a renda líquida estará presente apenas na conta recebedora do salário, coisa que os bancos buscam incessantemente, mas que o processo de captura não passa nem perto de resolver esse problema.
A boa notícia é que os dias deste ambiente caro e ineficiente estão contados. A concessão de crédito no Brasil está a um passo de mudar de patamar, após décadas de ineficiência. A chegada de soluções capazes de buscar e tratar não só dados alternativos, estruturados e não-estruturados, revolucionará o mercado de crédito porque permitirá que a renda real – e não mais a presumida – seja a base oficial para a tomada de decisões.
A conexão com o esocial e a Carteira de Trabalho Digital permite saber quanto realmente a pessoa ganha e se terá condições de honrar seus compromissos. São anos e anos de informação do histórico profissional do cliente, em favor da melhor decisão de crédito. Histórico de renda, promoções de cargo, 13o salário, bônus etc. O mercado vai aprender a lidar com todos esses dados alternativos. Ganharão as empresas do sistema financeiro que emprestarão dinheiro com mais certeza do retorno, os consumidores que terão mais facilidade na tomada de recursos e, principalmente, cerca de 20 milhões de brasileiros que não tinham como comprovar renda, e que agora finalmente serão inseridos no sistema.
*Fábio Torelli é fundador e CEO da OneBlinc