Ondas regulatórias exigem ajustes de estratégias para o mercado de meios de pagamento

Por Renato Aragon

Uma das analogias mais comuns usadas para explicar a diferença entre startups e grandes empresas é a que compara as companhias iniciantes a lanchas e as organizações tradicionais a transatlânticos. Este raciocínio serve, normalmente, para explicar, de certa forma, a maior facilidade que as emergentes têm para se adaptar às condições de mercado, sem deixar de reconhecer a força das empresas tradicionais no cumprimento de  seu importante papel no cenário de inovações.

Neste sentido, ao que parece, tanto lanchas quanto transatlânticos terão que se reinventar para manter o ritmo de navegabilidade num mercado de meios de pagamento que se transforma cada vez mais rapidamente impulsionado por uma série de novas regulações que tem surgido.

A mais recente onda neste sentido ocorreu no início de outubro, quando o Banco Central colocou em consulta pública (Edital nº 89/2021) uma proposta para limitar a taxa de intercâmbio (interchange) a 0,5% e veda o estabelecimento de prazos máximos diferentes para a disponibilização de recursos para livre movimentação pelo usuário final recebedor da transação de pagamento nos arranjos de pagamento classificados como domésticos, de compra, de contas de pagamento pré-pagas e de depósito. O prazo de reembolso, por exemplo, aos estabelecimentos comerciais (que hoje gira em torno de 27 dias), para as transações realizadas via cartão pré-pago (na função crédito), será fortemente impactado.

A ideia vai ao encontro do “objetivo de harmonizar regras, custos e procedimentos associados a instrumentos de pagamento que apresentam grande similaridade sob o ponto de vista do funcionamento do serviço de pagamento prestado, com o objetivo de trazer mais eficiência ao ecossistema de pagamentos”, como diz o Banco Central. Se implantada, deve afetar significativamente todo segmento de meios de pagamento e, evidentemente, seus impactos serão mais ou menos sensíveis a depender do tipo de instituição e a estrutura de negócios envolvida.

Os esforços de equiparação foram demonstrados em outra onda que chegou também em  outubro/21, quando o próprio Banco Central publicou a Resolução nº 155, que na prática, leva as administradoras de consórcio e as instituições de pagamento autorizadas a funcionar pela autarquia, categoria na qual se incluem muitas fintechs, a adotarem as mesmas exigências relativas ao relacionamento com clientes e usuários que já são exigidas em relação aos bancos tradicionais (condições válidas à partir de outubro/22).

Consideradas mais rígidas do que as regras que eram seguidas por muitas startups até então, a nova política de relacionamento é defendida pelo Banco Central como “sendo responsável por nortear a condução das atividades das fintechs em conformidade com os princípios de ética, responsabilidade, transparência e diligência, propiciando a convergência de interesses e a consolidação de imagem institucional de credibilidade, segurança e competência”.

Como se vê, a condição marítima tem mudado constantemente. A cada dia, o ecossistema de pagamentos brasileiro evolui rapidamente para um ambiente muito mais maduro, competitivo e exigente, no qual a estratégia de apenas espelhar operações sem desenvolver um completo estudo de viabilidade, considerando todos os riscos, processos, ferramentas, obstáculos e oportunidades terá cada vez menos sucesso.

•         Renato Aragon é Associate Director da Xsfera, plataforma de serviços especializados de consultoria de negócios e de soluções regulatórias, focada no mercado financeiro e de pagamentos.